Sou divino por dentro e por fora, e santifico tudo o que toco ou me toca,
O odor destas axilas é mais belo que uma oração,
Esta cabeça mais do que os templos, as bíblias e todos os credos.

Walt Whitman

Sentada nesta mesa de madeira branca, escrevo para a gerações vindouras, as memórias de uma mente que se sente intemporal.
A brisa morna faz deslizar os pensamentos, as palavras sucedem-se ao deleite morno do nada fazer. É como que um abraço quente da Natureza que nos esmaga.
As imagens tornam-se esbatidas e apenas conseguimos sorrir a quem por nós passa.

Estava Maria entregue a estes pensamentos, quando alguém ao de leve, como o vento abafado dessa sufocante tarde de verão, entra quase sem se dar conta na sua humilde cabana.
- A quem devo a honra? - pergunta ela, sem se virar para a porta, num tom jovial e simultaneamente grave.
- Vim ver como estavas.
- E quem sois?
E por quem me tomais?
- Por aquele que nunca me deixou sequer um momento só.
- Então porque perguntas?
- Porque queria ouvir-me em voz alta.

Por vezes quando permanecemos muito tempo sós, quando apenas conseguimos esboçar um sorriso através da pequena janela da nossa cabana a imaginários transeuntes, e ouvimos a nossa voz, nem nos reconhecemos nela. É desta forma que quando permaneço demasiado tempo em mim, me visito de tempos a tempos. Não vá a loucura tomar conta de todo o meu ser.

Continuou ela no seu monólogo em tinta.

[fotografia e texto de Maria Margarida, datado de 1999]