Sou divino por dentro e por fora, e santifico tudo o que toco ou me toca,
O odor destas axilas é mais belo que uma oração,
Esta cabeça mais do que os templos, as bíblias e todos os credos.

Walt Whitman


                                         Manhã. Frio.
                              Muito frio.
                              Braço de fora. Frio.
                              Cama - Que bom.
                              Manhã. Frio.

[Fotografia: Maria Margarida, 2013 / Poema: Maria Margarida, Janeiro 1999]

Na água de espelhos partidos
Aves rodopiam
rastejando
junto aos céus


[fotografia: Maria Margarida, 2013 / poema: Maria Margarida, 1999]


Sentada nesta mesa de madeira branca, escrevo para a gerações vindouras, as memórias de uma mente que se sente intemporal.
A brisa morna faz deslizar os pensamentos, as palavras sucedem-se ao deleite morno do nada fazer. É como que um abraço quente da Natureza que nos esmaga.
As imagens tornam-se esbatidas e apenas conseguimos sorrir a quem por nós passa.

Estava Maria entregue a estes pensamentos, quando alguém ao de leve, como o vento abafado dessa sufocante tarde de verão, entra quase sem se dar conta na sua humilde cabana.
- A quem devo a honra? - pergunta ela, sem se virar para a porta, num tom jovial e simultaneamente grave.
- Vim ver como estavas.
- E quem sois?
E por quem me tomais?
- Por aquele que nunca me deixou sequer um momento só.
- Então porque perguntas?
- Porque queria ouvir-me em voz alta.

Por vezes quando permanecemos muito tempo sós, quando apenas conseguimos esboçar um sorriso através da pequena janela da nossa cabana a imaginários transeuntes, e ouvimos a nossa voz, nem nos reconhecemos nela. É desta forma que quando permaneço demasiado tempo em mim, me visito de tempos a tempos. Não vá a loucura tomar conta de todo o meu ser.

Continuou ela no seu monólogo em tinta.

[fotografia e texto de Maria Margarida, datado de 1999] 

Relatório n.º 2


Relatório n.º 2


Na ponte.
O vento corre por entre os meus cabelos.
Deixo os olhos encherem-se de lágrimas.
É difícil mantê-los abertos.
O céu está azul.
O rio corre calmo.
E em breve estaremos junto ao mar.
Já sinto o cheiro do sal entranhar-se na minha pele.
Quero a areia nos ombros,
para sempre dourados,
colada.
Voamos!
Voamos!
Não há porquê não sorrir.

[Texto e Fotografia de Maria Margarida]
The crow


Doce pássaro
de alegre cantar
Retoma o teu voo
de volta ao mar

Planando sobre o azul

Respiras a eternidade
Daquele que vivendo
no seu tempo
desconhece a pressa.

[fotografia e texto Maria Margarida]
Raining in the suburbs ☔ 🍂 ⚡

De onde vem
o
tempo
Desconheço a tinta
     que corre
Só sei falar na
primeira pessoa
chamem-me o
     que quiserem
Porque eu estou-me
           nas tintas.
ESTOU-ME NAS TINTAS!

E muito mais podia
      dizer.

Suspiro. No silêncio.
Lá fora o burburinho
da cidade
      o coaxar dos
       desemparados.

Não sei de onde vem
        o tempo.

[fotografia e texto: Maria Margarida]
Just passing through

Sou

O fogo
sou
sem lume
e com
vento
sou o que

é contradição
fogo sem lume
ardente
que recusa
que se recusa
sem se saber
se fogo, se arde

sou o que sou sem ser

estrela cadente, incandescente
lugar comum
fora de moda
é o que sou de baton
de rimel e de sol
sou o que sou
dourado de azul
brilhante
eterno sorriso.

[fotografia e texto: Maria Margarida]