Sou divino por dentro e por fora, e santifico tudo o que toco ou me toca,
O odor destas axilas é mais belo que uma oração,
Esta cabeça mais do que os templos, as bíblias e todos os credos.
Walt Whitman
O odor destas axilas é mais belo que uma oração,
Esta cabeça mais do que os templos, as bíblias e todos os credos.
Walt Whitman
Dás-me o beijo
Sem chuva
sem sol, sem rumo
Dás-me o beijo
de boas noites
no silêncio.
O gotejar sibilante
das insónias iluminadas.
Não estou aqui.
Não sei onde estou.
Uma janela, desolada.
A luz da lua.
Uma janela de madeira
comida pelo tempo.
O silêncio reconfortante
do que já esteve para ser
O doce gotejar sibilante
Que se cala
E revisita vezes sem conta o que
nunca foi
a memória sem passado
para ser.
[janeiro/ 2013 - imagem e palavras MM]
O silêncio das paredes
dos corredores vazios
a tua ausência
O silêncio do teu corpo
que sempre me aqueceu
sopro da minha vida
que não encontro sentido
Quero a simplicidade
que ainda vejo nas tuas mãos
a ternura do teu olhar
que esconde a tristeza
que eu não te quero dar.
Quero estar só.
Deixem-me!
[setembro/ 2013 - imagem e palavras MM]
ausências
Oiço na minha
cabeça
as minhas múltiplas
vozes
sussurrantes
ausências
de mim.
[setembro/ 2013 - fotografia e palavras MM]
Poemas do ser e da forca - Cinzas
Cinzas
Dizem
que a história se repete.
Que
se repete por si, incondicionalmente.
Agora
já sem forças para te escrever,
Pergunto-me,
Repetir-se-á
a nossa história?
Porque
se for necessariamente assim,
Não
o quero.
Continuo
a recordar o sabor das tuas lágrimas
O
som da tua voz
O
teu abraço quente
Naquele
quarto
Frio.
Tenho
medo de mim.
Eras
tu que afastavas as chuvas e os trovões.
O
cenário mudou.
Mas
não eu.
Não
te encontrei.
E
tudo isto se mantém.
Já
não há Primavera.
Apenas
Demónios.
Poemas do ser e da forca - O sibilar do céu
No
fundo da noite
Trovões
e chuvas
A
minha alma vou deixar
Ser
outro
Para
ser
Finalmente
Ser.
A
dança e o riso
Não
nos abandonam
A
febre
A
tontura
O
precipício de sentir
Teu
sangue
Sou
Meu
coração
Teu
Será
Respirar!
Ouve-Me.
Não
sou eu que falo
Mas
Eu!
Cânticos
E
preces
E
oferendas
No
fundo da noite
Trovões
e chuvas
Poemas do ser e da forca - Não como eu
Não como eu
Ó
voz rouca
Tu
que ecoas no meu ser
Não
me deixes
Perdido
não sou ninguém
Meus
companheiros estão longe
Não
te ouvem
Não
como eu
Mostra-me
o caminho
Sou
o vento
Que
fala
Sou
a terra
Quente
Que
seca
Oiço-te
dentro de mim
Grito
Para
te ouvir
Ardo
Todos
me ouvem
Sou
a voz que fala
A
única
Relatório nº 1 - NÃO OFICIAL
Relatório
nº 1
3ª
Feira, o primeiro do mês de Verão.
A
casa localizava-se na vila, na zona circundante ao lago. Era pequena,
exteriormente tinha apenas uma porta e, quase colada a esta, uma
janela. Não havia cortinados nem portadas. Qualquer um podia
espreitar. Foi o que fiz. A escuridão era tal que não tinha sequer
a percepção de móveis ou de uma porta que ligasse a outro
compartimento. Era vazio. Aguardei. Tinha chegado demasiado cedo. Das
7h30 às 9h pouco ou nada podia fazer. Aguardei.
Não
era isto que eu tinha imaginado. Por detrás do véu, afinal, nada
havia para ver, nada havia para ser dito. Grito em chamas dentro de
mim no silêncio da madrugada. É cedo demais para tudo o mais.
Deixo-me
cair. Nestes últimos três dias tenho andado com a tensão alterada.
Sinto-me leve, oiço um zumbido. Elevo-me. Ainda bem que cheguei
cedo, assim a minha fraqueza manter-se-á anónima.
Corredores…
corredores… toda a minha vida foi feita a percorrer corredores. Os
meus pensamentos, as minhas angústias, os meus desejos estão
inscritos neste soalho… tinha tanto para ser. Chorei tanto por
querer. Agora percorro-os novamente. Não há nada de novo. Excepto
em mim. Surpreendo-me constante mente por me deixar permanecer neste
estado de pulsão bombardeante. A sensação será eterna?
Invoco
cânticos. Mentalmente, nunca tive a menor aptidão para as artes.
Que palavras são estas que ecoam sem cessar como um chamamento? O
melhor será descansar um pouco mais… ainda é cedo.
Oiço
o cantar do primeiro melro. É o amanhecer.
Nunca
quis ser nada. Ou seja, desde que nasci que a minha mãe afirma que
sempre fui uma criança muito sossegada, amorfa. Nada me espantava,
não tinha iniciativa mas sempre fui cumprindo as minhas tarefas.
Lembro-me de aos 13 anos ter dito: “Quero ser cavaleiro!” –
“Que disparate! Como se algum dia pudesses ser isso… que
imaginação!” – E a partir daí deixei de querer.
O
silêncio. É tão bom o silêncio da madrugada. As cores inundam o
mundo. É tão bonito. Tudo renasce. Sinto a vida. Sinto-me respirar…
sinto-me respirar! Sinto-me respirar!
Onde
estou? Acho me deixei adormecer. Sim, cheguei cedo. Muito cedo. Nada
vi. Nada ouvi. Não se consegue ver. Que poderia eu fazer? Como? Mas
sem autorização é impossível!
Não
me permitem que seja. Parece que de alguma forma tudo está
condicionado. Previamente delineado sem o meu consentimento. E isto
como? Se a vida é minha… ou assim o suponho.
Sinto
vertigens… sinto o suor escorrer-me pelas têmporas. Respiro com
dificuldade. Mas que fazem estes crápulas? Não me sinto bem…
Rodopio!
Rodopio! Rodopio! Rodopio!
Tiro
o lenço de mão do bolso do casaco. Passo-o pela testa. Estarei
febril?
Deixo-me
cair! Que bela é a tontura! Que bela é a vertigem!
Oiçam,
as leis têm que se cumprir. Se há regras temos que as seguir. Não
podemos agir assim!
Depois
vem o enjoo. Li uma vez que o enjoo está sempre presente quando há
o abandono.
Tiro
novamente o lenço. Desta vez passo-o pelo pescoço. Desaperto os
primeiros botões da camisa.
Toda
a preparação tem o seu ritual. Faço tudo com calma. Mas por dentro
sou explosão.
Qual
nervosismo qual quê? Mas o vosso modo de agir a mim não me agrada.
E terei necessariamente que apresentar um relatório sobre esta
situação, anexarei os meus comentários pessoais.
Sinto
a garganta seca.
Já
todos os passarinhos despertaram. Está na hora.
Não,
não estou doente, sinto-me até muito bem. O sol é que está
demasiado forte e, como já vos disse e repito, não tenho por hábito
fugir ao cumprimento dos deveres.
Corredores…
corredores… corredores… corredores…
Ser
cavaleiro! Que disparate, como poderei um dia ter pensado tal coisa.
A
vertigem! Sinto a vertigem!
As
regras existem.
Já
não respiro.
O
sol está tão forte!
Deixo-me
cair.
Entoo
cânticos.
Estou…
neste soalho.
Tenho
a boca seca…
Tudo
tem um ritual.
Deixo-me
cair.
Sentada nesta mesa de madeira branca, escrevo para a gerações vindouras, as memórias de uma mente que se sente intemporal.
A brisa morna faz deslizar os pensamentos, as palavras sucedem-se ao deleite morno do nada fazer. É como que um abraço quente da Natureza que nos esmaga.
As imagens tornam-se esbatidas e apenas conseguimos sorrir a quem por nós passa.
Estava Maria entregue a estes pensamentos, quando alguém ao de leve, como o vento abafado dessa sufocante tarde de verão, entra quase sem se dar conta na sua humilde cabana.
- A quem devo a honra? - pergunta ela, sem se virar para a porta, num tom jovial e simultaneamente grave.
- Vim ver como estavas.
- E quem sois?
E por quem me tomais?
- Por aquele que nunca me deixou sequer um momento só.
- Então porque perguntas?
- Porque queria ouvir-me em voz alta.
Por vezes quando permanecemos muito tempo sós, quando apenas conseguimos esboçar um sorriso através da pequena janela da nossa cabana a imaginários transeuntes, e ouvimos a nossa voz, nem nos reconhecemos nela. É desta forma que quando permaneço demasiado tempo em mim, me visito de tempos a tempos. Não vá a loucura tomar conta de todo o meu ser.
Continuou ela no seu monólogo em tinta.
[fotografia e texto de Maria Margarida, datado de 1999]
Relatório n.º 2
Relatório
n.º 2
Na
ponte.
O
vento corre por entre os meus cabelos.
Deixo
os olhos encherem-se de lágrimas.
É
difícil mantê-los abertos.
O
céu está azul.
O
rio corre calmo.
E
em breve estaremos junto ao mar.
Já
sinto o cheiro do sal entranhar-se na minha pele.
Quero
a areia nos ombros,
para
sempre dourados,
colada.
Voamos!
Voamos!
Não
há porquê não sorrir.
[Texto e Fotografia de Maria Margarida]
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